Fui com Maria até o posto, contra minha vontade, mas sacrifiquei-me em obra do que me parecia certo. Ia ao seu lado, como que para servi-la de bengala, e ela servindo a mim como apoio. Éramos as duas pontas da corda. Afinal, o que é o mal de alguém quando aparado por outra pessoa? Dividíamos as mesmas dores, vivíamos sob a mesma pele trocada, o torcer das vísceras de ser quem não somos.
Agarrei mais firme em sua mão, ela parecia estar mais desequilibrada que eu. Esse era o nosso traço de diferença, era ainda sensível. Olhou rapidamente para mim, mas acabou desviando. Não o bastante para disfarçar os requisitos de choro. Havia uma perturbação, uma angustia, eu sabia reconhecer aquilo, via todas as manhãs que ousava fitar a minha própria imagem no espelho. Não fazia aquilo com frequência, havia aprendido a evitar coisas que me desestabilizariam. Mas Maria não. Era outro traço de nossa diferença.
Seu cabelo ia solto, sedoso como que para causar inveja. Ia com pressa, quase me arrastando. Tinha pressa de virar pássaro. Visualizei suas costas estreitas, os ombros erguidos, a elegância que carregava emanava em tudo. Lembrei-me dos momentos em que sorria. Um riso de verdade, tão raro e precioso como unicórnios jogando dominó. Dançando pela sala, arrastando seus pés descalços no meu chão gelado, parecia tão alegre e distante do que apresentava agora. Segurei-a com a outra mão. Pareceu resistir a fitar-me, balançou suavemente a cabeça, apenas agitando seus cabelos castanhos reluzindo na estranha luz do sol. Porque o mundo parecia tão vivo? Tão cheio de sons e vida, quando somos tão mortos por dentro?
Senti-me culpada pela situação. Queria arrasta-la de volta para nosso mundo, mas parecia determinada. A teimosia também nos diferenciava. Quase ri, e então ela finalmente olhou-me, como se adivinhasse que eu a acusava.
Tentou parecer tranquila, não sabia ela que eu havia aprendido a lê-la inteira. Era não só a palma da minha mão, como a dona de tudo que me pertencia. Segurei em seu quadril, quando diminuiu o passo me permitindo deslizar pelo calçamento sem praticamente correr. Sorriu-me finamente, um esforço tremendo, imaginei. Retribui lhe dando um beijo, depois fitei sua face corada pelo sol, não pareceu intimidar-se como de costume a um contato mais intimo publicamente. Estava decidida.
Assenti quase me sentindo feliz, mesmo não acreditando que nosso futuro feliz se encontrava naquelas passagens que Maria insistia em comprar. Me contentava em vê-la dançar tão desinibida no meu apartamento, cantando no meu chuveiro, ou tentando criar penteados em mim, mesmo que meus cabelos parecessem mais um ninho de ratazanas depois. Era só isso. Só precisava tê-la por perto o suficiente para saber que existem coisas boas no mundo. Quer dizer, no meu só existia uma.
Eu faria aquilo. Iria pra onde ela me carregasse como um bebê perdido, ou um naufraga numa tempestade, se alguém pudesse me achar me alcançar era ela. E ela o fez. Olhei para trás, imaginando quando voltaria a pisar ali, deixando tudo para trás. As coisas que não importavam os sonhos e os choros perdidos.
O arranhar e o nó no peito por não tê-la e o contraste definitivo que a teria para sempre.
Despedi-me de mim mesmo. Largando na calçada os restos de alguém que jamais voltaria a ser.
Autora: Eidi S. Ravenwood
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